26 setembro, 2006

Já se passavam dez semanas.

Todo o ciclo de multiplicação celular que, diga-se de passagem, é cansativa e desgastante, já tinha passado e ninguém falava comigo. Ninguém se referia a mim. Ninguém cuidava de mim. A alcoólatra da minha mãe bebia cerveja todo domingo, meu pai ficava montando na minha mãe o tempo todo... E eu comecei a ficar enjoado disso tudo.

Pra me fazer presente, resolvi presentear a mamãe com uma série de vômitos e enjôos. Fiquei brincando com a nutricão dela... Do dia pra noite, ela não conseguia mais nem ver carne vermelha, doces, leite... E meu pai, sei lá porque motivo, também começou a enjoar. Acho que a culpa não foi minha, mas se foi, foi merecido!

Lá pra décima semana foi que os dois imbecís descobriram. Compraram um teste e ficaram lá se fazendo de fortes. Contaram primeiro pra minha avó e depois foi em cascata: meu avô, meus tios, meu primo, mais avô, mais avó, mais tios, mais primos... Puta que pariu, eu era feliz e não sabia! Do nada, ficou um monte de gente me paparicando, falando de mim, falando do meu sexo... Essa gente idiota não percebe que eu ainda não tenho sexo! Nem mão eu tenho ainda, e eles falando do meu sexo... Gente pervertida...

Meu pai começou a me chamar de Maria Luiza e minha mãe embarcou nessa. Daqui a pouco um monte de gente começou a me chamar de Maria Luiza. E eu só esperando. Se nascer uma piroca aqui vou mandar todo mundo à merda!

Aí um dia minha mãe, espertalhona, resolveu fazer faxina. Em 10 semanas eu mal lembro dela tomando banho, aí ela inventa de fazer faxina. E sobe escada, e desce escada... E eu lá, chacoalha pra um lado, chacoalha pra outro. Resolvi sacanear de novo: agora mandei um sanguinho de leve só pra ficar esperta.

Eu já estava dormindo quando vi que peguei pesado na brincadeira. Minha mãe chorava, ligou pro meu pai que chegou rapidinho, fazendo cara de tranquilo... Mas sabe como é, né? Eu sinto o que ele sente e ele estava literalmente com o toba na mão!

Mas bem, isso passou, já estou com 12 semanas, já mostrei meu coração pra galera e tá todo mundo feliz. Descobri que meus pais gostam de bichos, porque lá na casa deles tem dois cachorros, uma cadela, duas gatas e um monte de micróbios. Meus pais ficam lá fazendo planos e meu pai dorme com a mão em cima de mim.

Eu sinto poucas coisas, porque estou em formação, mas esta fase está muito mais legal. Eu não sinto enjoos, já tenho articulações e váárias coisas estão se formando em mim.

E antes que vocês pensem que eu sou uma assombração da cabeça do papai, fiquem sabendo que eu tenho um lap top com wireless aqui no cordão umbilical muito mais sofisticado que toda essa porcaria tecnológica que vocês têm por aí.

Conforme forem acontecendo novidades, eu vou contando pra vocês, ok?

Tudo começou no escuro.

Uma musiquinha vagabunda ao fundo, meu pai sacudia de um lado, minha mãe balançava de outro.

Ao fundo, talvez, se não me falha a memória, eu ouvia a televisão ligada.

E começou a corrida. Não, não era na TV.

Eu corria desesperadamente. Não sabia bem se corria de alguém ou em busca de algo. Haviam muitos competidores, alguns mais fortes, outros mais inteligentes. Eu consegui me manter no pelotão intermediário. Na última curva, com os concorrentes cansados, dei um sprint final e... Grudei num treco melado, esquisito, grande e luminoso. Mais tarde entendi. Aquele era o óvulo!

Quando percebi a vitória pensei que uma música poderia ilustrar aquele momento. O momento era mágico, eu havia vencido entre tantos competidores, eu enfim fecundava o óvulo. Eu não seria mais um porra qualquer. Seria a porra escolhida, the one!

Pensei no tema da vitória, mas me lembrei do Senna e fiquei com certo receio dessa musiquinha... Pensei em algo do tipo We Are The Champion, mas foi meio afeminado, boiolice a esta altura é complicado...

Então pensei na vingança. Já que os meus pais me fizeram assistindo TV, vou escolher uma música de extremo mau gosto pra ilustrar minha chegada. "Tô chegando na cohab, pra curtir minha galera..."